Nesta terça (16/08/2022), o Palácio da Abolição foi palco de um ato das mulheres e crianças de diversas comunidades organizadas em luta do Estado do Ceará. O objetivo da ação foi a entrega de uma carta que narra as dificuldades que os povos estão vivendo em seus territórios, apresenta suas demandas e de imediato exige uma audiência.
Nós, da Terra Liberta, estamos construindo esta luta em aliança com a OPA – Organização Popular, Povo Anacé, Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) e outras comunidades, organizações, movimentos de luta do campo e da cidade. São dezenas de comunidades por todo o Ceará que, frente à precisão e carestia que impera, unem-se para exigir seus direitos.
A Terra Libera reivindica ao Estado um terra para a autoconstrução da Comunidade Emiliano Zapata, que em março sofreu um despejo com forte aparato da PM-CE. Mesmo com isto, as famílias organizadas na Terra Liberta não arredaram o pé da luta. Seguimos em rebeldia.
O ato iniciou por volta das 10h da manhã e por volta das 11h a Assessora Esp. de Acolhimento aos Movimentos Sociais, Zelma Madeira, recebeu uma comissão de 5 mulheres que apresentaram e entregaram a carta destinada à Governadora Izolda. A assessora ficou responsável por encaminhar a carta à governadora e a comissão afirmou que a audiência deveria ser marcada com celeridade na próxima semana para garantir a participação de todas as comunidades.
A luta do povo nos ensina que devemos estar atento às promessas que nos fazem, mantendo sempre a organização para garantir a conquista de nossos direitos. Iremos até o fim em apoio mútuo com com as comunidades presentes. Pois só o povo salva o povo.
Confira abaixo a carta entregue à governadora:
CARTA ABERTA DAS COMUNIDADES E TRABALHADORES DO CEARÁ À SENHORA GOVERNADORA IZOLDA CELA
Senhora governadora Izolda Cela,
São pessoas simples, trabalhadoras, que lhe enviam esta carta. Estamos aqui para falar de nossa situação e obter da senhora, como governadora do estado, uma posição.
Há alguns anos um genocida ocupa a função de presidente do Brasil, sendo responsável direto pela morte de mais de seiscentas e setenta mil pessoas. O “FORA BOLSONARO!” se tornou um grito de todos nós; mas, é preciso dizer sem medo: não é o único.
Governadora, a senhora bem sabe que o estado do Ceará tem sido palco de projetos que adoecem e massacram nosso povo, que devastam impiedosamente a natureza, alguns deles em parceria ou aplicados de forma muito parecida com o governo federal. O agronegócio e a mineração recebem todo tipo de benefício do Estado para envenenar nossa gente. Grandes barragens, que expulsam comunidades inteiras, são construídas e cursos de rios são desviados para que não falte água a estes grandes empreendimentos.
No litoral, as usinas de energia eólica e os grandes hotéis privatizam a praia. Isso acontece sobre áreas de proteção ambiental, territórios de comunidades tradicionais. O povo ironiza a própria tragédia dizendo que onde há uma placa da SEMACE, há ali um grave crime ambiental flagrantemente sendo cometido. E o pior, governadora: tudo feito com muito dinheiro público; de nosso suor, custando nosso sangue! Recurso que poderia ser investido em um outro modelo de desenvolvimento. Sim, porque, apesar de toda perseguição, nossas comunidades e o povo em geral são mestres na construção de alternativas. Veja a produção de alimentos saudáveis, sem veneno! Por que não destinar prioritariamente água, terra e recurso público para esta prática? Respeitando a natureza, não precisaremos, manipulados ou cinicamente, culpar um vírus por tudo que há de pior.
Nas cidades do Ceará, os problemas do povo não são tão diferentes. O que ocorre no mato repercute no asfalto, e vice-versa. Entre tantas dificuldades que passamos, duas nos afligem mais que tudo: a falta de moradia e a carestia. Estamos falando de sobrevivência, entende? De mulheres – como a senhora -, de crianças e idosos, de mães e pais. Estamos falando de vida ou morte!
Governadora, temos fome! Fome de comida, fome de moradia, fome de terra para plantar, de educação, fome de ver nossos jovens numa universidade sem muros e valorizando mais seus professores, fome de trabalho e de políticas públicas que proporcionem dignidade às nossas famílias, temos fome de justiça! Tratar as causas, para que não sigamos a lamentar as consequências. Não é aceitável uns poucos, com tanto, às custas de muitos, sem sequer acesso ao básico dos direitos humanos.
Ano passado, tentamos por mais de uma vez uma audiência com a Secretaria de Desenvolvimento Agrário para apresentar parte de nossa pauta, mas, desrespeitosamente, não fomos atendidos.
Agora, nossa comissão de mulheres e crianças entrega diretamente à senhora esta carta e, junto com ela, mais uma vez, nossa pauta, que aponta caminhos de superação. Queremos uma audiência com a senhora governadora e aguardamos uma resposta o mais breve possível, com a paciência que as condições acima descritas permitirem.
Desde antes de nascermos, a luta é condição de nossa existência. Ela não tira férias, nem em período eleitoral. É com ela que derrotaremos o genocida e seus aliados, inclusive aqui no estado. Entendemos a importância do voto, conquista da luta do povo brasileiro, mas nossa compreensão de democracia não se resume a ele. Até porque enquanto estas fomes persistirem, não haverá democracia de fato.
Somos comunidades pescadoras espalhadas pelo Ceará, somos marisqueiras, donas de casa, indígenas, quilombolas, famílias de pequenos agricultores, povos do mar, dos rios, das florestas e das cidades, somos juventude do meio popular, operários/as, professores/as, sem terra, sem teto, gente de periferia, explorada, oprimida, marginalizada por um sistema que, como diz Papa Francisco, “não se sustenta”; mas gente, somos gente! Jamais esqueceremos disso.
Na convicção de que bons políticos e boas instituições são aqueles e aquelas que servem ao povo, e na certeza do entendimento de vossa excelência para a urgência e gravidade das questões aqui expostas, reforçamos a necessidade do agendamento célere desta audiência, agradecendo desde já a atenção.
NEM MITO NEM MEDO
PORQUE QUANDO A FOME DÓI
SÓ A LUTA DÁ O JEITO!
COMUNIDADES
Assentamento Aroeira Vilany, Associação ATAL- Aracati
Assentamento São Miguel I- Itaiçaba
Associação de Catadores (as), Recicladores (as), do Bairro Pedregal e Pedra Redonda.
Associação Filhos e Amigos de Ibiapaba- Crateús
Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Bananeiras- Crateús
Assentamento Terra Esperança – Aracati
Comunidade Alto da Paz / Vicente Pinzón – Fortaleza
Comunidade Curral Velho – Crateús
Comunidade Jardim- Fortim
Comunidade Majorlândia – Aracati Comunidade Fazenda Chapéu
Comunidade São Miguel- Fortim
Comunidade Terra Nova – Fortim
Comunidades atingidas pela barragem Lago de Fronteira- Crateús
Conjunto Nossa Senhora de Fátima – Crateús
Mães de Crateús – Crateús
Ocupação Carlos Marighella – Fortaleza
Ocupação Dom Fragoso – Jaguaruana
Ocupação Emiliano Zapata- Fortaleza
Ocupação Terra Prometida- Aracati
Ocupações Oitizeiro I e II- Fortim
Povo Anacé da aldeia mãe da grande aldeia Japuara- Caucaia
Quilombo Córrego de Ubaranas – Aracati
Quilombo do Cumbe – Aracati
MOVIMENTOS/ORGANIZAÇÕES
OPA – Organização Popular
Organização Popular Terra Liberta
UC – Unidade Classista